O papel das políticas públicas nos primeiros 1000 dias

A criação dos filhos está diretamente associada à figura da mãe, mas ela não deve ser a única responsável por essa tarefa.

A criação dos filhos está diretamente associada à figura da mãe, mas ela não deve ser a única responsável por essa tarefa. Além do pai, que deve estar tão presente quanto a mulher, é papel de toda a sociedade cuidar para que suas crianças se desenvolvam em sua plenitude.

Para que os pais possam se dedicar a criação dos filhos, devem estar amparados por uma série de políticas públicas que garantam nutrição, saúde, educação e instituições confiáveis para os cuidados e bem-estar dos pequenos. “Quando o desenvolvimento nos primeiros mil dias é desmerecido, a sociedade sofre no futuro. Muitas vezes, a própria vítima é responsabilizada”, afirma Catarina de Souza Moro, doutora em educação e professora do Departamento de Teoria e Prática do Ensino da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Para Catarina, o primeiro passo é melhorar os centros de saúde para que sejam acessíveis a todos e prestem atendimento aos núcleos familiares de forma mais abrangente. Hoje, explica, há uma fragmentação dos serviços e ações, e a família precisa procurar profissionais em diferentes locais para que atendam suas necessidades. No final das contas, acaba optando por um outro serviço e deixa de acessar tudo o que poderia.

Durante o pré-natal, por exemplo, as atenções são voltadas para a saúde da mulher, mas não para seu bem-estar emocional. Já os homens não são tão incluídos quanto deveriam. O pai também deve cuidar da própria saúde e receber apoio para se preparar para a chegada do filho.

Os centros de saúde devem estar prontos para acompanhar as famílias e atender suas demandas, desde as fisiológicas até as emocionais. “Isso não descarta a possibilidade de existirem núcleos comunitários e ONGs que também supram as demandas da população”, opina Catarina. “Mas o trabalho de uma fundação ou ONG é opcional. Já as políticas públicas deveriam ser os primeiros espaços obrigatórios a dialogar com essa intersetorialidade”, completa.

O segundo ponto diz respeito à educação. Mudanças recentes instauraram a obrigatoriedade de matrícula para as crianças de quatro e cinco anos. Como forma de equilibrar o orçamento, diz Catarina, muitas escolas públicas cortaram vagas para os menores, abaixo de três anos. Para a primeira infância, isso é negativo: sem a possibilidade de colocar o filho na creche, pais sentem dificuldade de voltar ao mercado de trabalho – o que provoca uma série de outras consequências.

Para as famílias em situação de pobreza, as políticas públicas para a primeira infância são ainda mais imprescindíveis e devem garantir, pelo menos, o mínimo: nutrição, saúde e possibilidade de continuar os estudos. E isso, definitivamente, não é obrigação apenas dos pais. Aliás, é tarefa do Estado e com retorno garantido e até comprovado cientificamente.

De acordo com a Equação de Heckman – criada pelo ganhador do prêmio Nobel de economia James Heckman – a cada US$ 1 investido na primeira infância, se tem US$ 7 de retorno na vida adulta. O crédito fica por conta, por exemplo, de menores índices de violência e de evasão escolar, assim como de menos gastos com tratamento de doenças evitáveis.  Além disso, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a nutrição adequada na primeira infância melhora o desempenho escolar, o que pode impactar positivamente o PIB de um país. Logo, quanto antes se investir, maior será o resultado para a criança e melhor o retorno para a sociedade.

“Por causa desses pontos é que precisamos desmistificar a ideia de que a criação é uma tarefa da mãe, determinada pela biologia”, argumenta Catarina “Também é responsabilidade da sociedade e do governo. Precisamos discutir a relação da sociedade com o desenvolvimento das crianças. Historicamente, ela não tem sido muito boa”, finaliza.

LEIA TAMBÉM

x