Cuidado, estímulo e afeto são essenciais para um atendimento de qualidade nas creches

Com base em pesquisa sobre a primeira infância, realizada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, especialistas sugerem uma série de iniciativas para melhorar o atendimento nas creches e assim garantir o desenvolvimento adequado de crianças de até 3 anos.

Para ter uma creche de qualidade é preciso uma equipe que pense segundo a lógica da educação infantil e do que mais importa para uma criança de até 3 anos: cuidado, estímulo e afeto. Cuidado, esse, indissociável do processo educativo, considerando o desenvolvimento integral da criança. Essa é uma das propostas feitas por um grupo de especialistas, a partir da análise dos resultados da pesquisa Primeiríssima infância – Creche – Necessidades e Interesses de Famílias e Crianças, realizada em 2017, pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) em parceria com o Ibope Inteligência.

Para o estudo, foram entrevistados 991 familiares de crianças de 0 a 3 anos de todo o Brasil. Desse total, as mães representam 89% dos responsáveis pela criação dos filhos, 5% são pais, e outros 5%, demais familiares, como tios ou avós.

A importância da creche como aliada da família em sua função de cuidado e educação dos filhos, a necessidade de reforçar a articulação entre família e escola e aspectos que promovem o desenvolvimento da criança foram alguns dos assuntos avaliados pela investigação.

Em relação à qualidade das creches, os entrevistados relataram como vantagens:

– o fato de a criança aprender a conviver com os pares;

– ter acompanhamento de profissionais especializados;

– ter acesso a atividades variadas;

– a possibilidade de desenvolver o raciocínio.

Como desvantagens, foram apontados quesitos como:

– a criança não receber atenção individual;

– a frequência com que a criança costuma ficar doente;

– a dificuldade em monitorar como ela é tratada na creche.

Com base nessas e em outras conclusões da pesquisa, uma equipe de profissionais – pedagogos, economistas, enfermeiro e gestor público – fez uma série de recomendações e reflexões sobre as creches e a primeira infância, visando a melhoria das políticas públicas de educação infantil no Brasil. Entre elas, a necessidade de garantir o desenvolvimento da criança por meio de aspectos como cuidado, estímulo e afeto.

Empenhar-se em materializar esses três conceitos significa enxergar a criança como um sujeito de direitos, desde a mais tenra idade, na opinião de Vilma Clélia de Oliveira Ramos, diretora do Centro de Educação Infantil Goiti, em São Paulo. “Essa tríade é essencial para a formação de um indivíduo autônomo, seguro e protagonista de sua própria história”, explica a diretora.

Ela afirma que é imprescindível estimular os pequenos para uma aprendizagem significativa, contemplando os aspectos cognitivos, emocionais e físicos de cada um. Além disso, diz Vilma, é importante criar um ambiente propício à afetividade, para que as crianças se sintam seguras e capazes de criarem vínculos emocionais.

PARCERIA FAMÍLIA-ESCOLA

Elaborar mecanismos para condicionar as relações familiares com as práticas realizadas nos espaços educativos também é importante, na opinião dos especialistas que analisaram o estudo da FMCSV. Vilma concorda e diz que a escola tem o papel de atuar como subsídio e auxílio direto dos pais, para que haja uma sintonia entre o que a escola ensina e a vivência das crianças fora da instituição. “Na unidade em que atuo, nós fazemos um trabalho de escuta dos anseios e angústias das famílias, e as trazemos, literalmente, para dentro da escola, para que participem da construção da educação. Isso acaba por torná-la significativa, integral e de qualidade para toda a comunidade escolar”, esclarece a diretora.

Ela acredita que a relação entre educadores, crianças e familiares responsáveis deve ser construída por meio da postura dialógica, fundada na construção parceira do saber. Nesse contexto, as reuniões de pais e mestres e do conselho escolar, o atendimento individualizado e mesmo as festas abertas à participação da família, são mecanismos eficazes para a elaboração dessa parceria. “Todos podem contribuir”, ressalta Vilma, recordando o educador e pedagogo brasileiro Paulo Freire (1921-1997), que disse que ‘Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, por isso aprendemos sempre’.

FORMAÇÃO DOCENTE

Outro quesito fundamental também apontado na pesquisa diz respeito à necessidade de oferecer capacitação continuada aos professores. “Na rede municipal de educação em São Paulo, existem programas e projetos de incentivo para a formação docente, com a oferta de cursos gratuitos dentro e fora do horário de trabalho. Porém, para os demais profissionais, tais como os inspetores de alunos, a formação praticamente inexiste, e tem sido motivo de forte reivindicação junto aos sindicatos e Diretorias Regionais de Educação (DREs)”, adverte a diretora.

Até o ano de 2001 as creches da capital paulista eram de responsabilidade da Secretaria de Assistência Social (SAS). Desde então, passaram a ser supervisionadas e coordenadas pela Secretaria Municipal de Educação. Segundo Vilma, apesar dos avanços, ainda há muitos desafios.

Ela recorda que a educação infantil de 0 a 3 anos não é obrigatória e isso se reflete na gestão das políticas públicas. “A maior parte dos recursos financeiros e materiais são destinados ao ensino obrigatório. Isso soa paradoxal diante dos inúmeros estudos científicos que já comprovaram os benefícios da educação na primeira infância nos campos cognitivo, físico e afetivo. Deveria haver um maior cuidado e atenção por parte do poder público direcionados à essa área”, finaliza a diretora.

REFERÊNCIAS

Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Ibope – “Primeiríssima infância – Creche – Necessidades e Interesses de Famílias e Crianças”, 2017.

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